[RESENHA] Sonhos em Tempo de Guerra, Ngugi wa Thiong'o.

março 11, 2019


Livros biográficos sempre tiveram um espaço especial em meu coração. Eles contam histórias de pessoas que possuem uma trajetória única e que podem ter muito a nos ensinar, pois tiram-nos de nossa zona de conforto. Com este livro não poderia ter sido diferente. Ao terminar a leitura, senti o peso das palavras de Thiong'o e o quanto eu precisava tê-lo lido.

SINOPSE: Um das principais vozes da literatura africana contemporânea e frequente cotado para receber o Prêmio Nobel de Literatura, Ngũgĩ wa Thiong'o revisita sua infância em Sonhos em tempo de guerra, primeiro volume de suas memórias. O escritor nasceu em 1938, em uma região rural do Quênia, durante a ocupação britânica. Seu pai era polígamo e a família, formada por quatro esposas e 24 filhos, era uma comunidade que experimentava as diversas mudanças provocadas pelo colonialismo. Thiong'o mistura brincadeiras infantis e reflexões sobre o cenário político, como o hábito de contar histórias nas cabanas das mulheres de seu pai, a curiosidade de ouvir a experiência de um irmão que participou da Segunda Guerra Mundial, as brincadeiras com os filhos de donos de terra, e como essas relações mudam quando Thiong'o e seus irmãos passam a trabalhar nos campos. Com sutileza, o escritor compõe um cenário em transformação. Os cultivos tradicionais são substituídos pela produção escolhida pelos colonizadores, homens brancos aparecem nas plantações e crianças mestiças começam a nascer, mudando a composição das famílias. Sonhos em tempo de guerra também explora a descoberta da paixão de Thiong'o pelas histórias, pelas palavras e o momento em que ele se dá conta de sua sede de aprender. Frequentar a escola pode ser algo sacrificante, que exige longas caminhadas e impõe a sensação constante de fome, mas que lhe oferece a oportunidade de aprender a ler, o que lhe permite conhecer muitas mais histórias.

Se apaixonar pela escrita de Thiong'o é inevitável. Com um texto leve e envolvente, o autor recorda momentos de descoberta infantil, como a primeira vez em que esteve em uma cidade e seu desejo de viajar de trem pela primeira vez. Suas observações se misturam com as lembranças de ataques da rebelião Mau Mau, que desafiou o domínio inglês defendendo a independência do Quênia. Sua visão complexa do impacto do colonialismo nos países africanos se reflete em sua ficção. As memórias de Ngũgĩ wa Thiong'o são essenciais para compreender a formação do escritor e a postura crítica presente em sua ficção.

“Se há necessidade de um 'estudo da continuidade histórica de uma cultura única', por que isso não pode ser africano? Por que a literatura africana não pode estar no centro para que possamos ver outras culturas em relação a ela?”

A guerra é um dos panos de fundo que fazem deste livro um dos mais pessoais e imersivos que já pude ler. A forma como somos colocados para acompanhar a colonizada Quênia aos olhos de Ngũgĩ é cruel e desesperadora. Além disso, a forma como são introduzidas as lutas diárias pela voz e a liberdade do povo africano em meio a um amor pelas palavras cultivadas com tanto fascínio, nos fazem ter uma noção ainda maior da força e determinação deste jovem que hoje, se torna uma inspiração para todos nós.

Sobre a crise no Quênia

Os europeus entraram em território queniano em meados do século XIX. Para facilitar uma economia baseada em grandes fazendas, os britânicos expulsaram os kikuyus das terras férteis. Destituídos dos direitos civis, os quenianos exigiam uma reforma no sistema.

Era uma situação política que só teve mudada a sua tática quando o líder político dos kikuyus, Jomo Kenyatta, formado pela Escola de Economia de Londres, voltou da Inglaterra para assumir a presidência da recém-criada "União Africana do Quênia (KAU)" que, em 1960, passou a integrar a União Nacional Africana do Quénia. Kenyatta transformou a organização em um partido nacionalista de massas. Quando a revolta explodiu, em 1952, ele foi preso e condenado por liderar os Mau Mau. Kenyatta ficou na prisão até 1961.

A independência do Quênia concretizou-se em 1963. Um ano depois, o país foi reconhecido pela Comunidade Britânica das Nações, sob a presidência de Jomo Kenyatta, o líder nacionalista que, em 1963, ocupara o cargo de primeiro premiê do Quênia livre. Nos quinze anos seguintes, até a sua morte em 1978, Kenyatta presidiu a transformação da nação em um moderno Estado capitalista relativamente estável.

Fonte: Wikipedia. 
MATERIAL COMPLEMENTOS 

Um autor completo

Thiong'o tornou-se professor de literatura inglesa na Universidade de Nairobi. Ele lecionou por lá até 1977, enquanto também trabalhou com Escrita Criativa em Makerere (1969-1970) e como Professor Associado Visitante de Inglês e Estudos Africanos na Northwestern University (1970-1971). Neste mesmo ano, lançou seu primeiro romance Petals of Blood que foi aclamado em seu país e por muitos locais no exterior. Por conta da sua veia e militância assídua pela igualdade social, foi preso (sem quaisquer acusações formais ou verdadeiras) e contou sobre suas experiências no livro Detained: A Writer’s Prison Diary (1982). Como antes escrevia muito em português, foi na prisão que resolveu assumir escrever com o seu idioma oficial (Gikuyu) e assim lançou outras dois romances Caitani Mutharabaini (1981) e Devil on the Cross (1982).

Durante o tempo da ditadura em seu país suas obras foram cortadas de circulação e foi impedido de exercer sua escrita e profissão como professor. Foi exilado em um Comitê de ajuda aos refugiados e povos da Quênia em Londres até a Ditadura Moi (1982-2002). Quando ele e sua esposa, Njeeri, retornaram ao Quênia em 2004, depois de 22 anos no exílio, foram atacados por quatro pistoleiros contratados e escaparam por pouco. Hoje ele concilia sua carreira literária com a acadêmica. Recebeu muitas honrarias, incluindo o Prêmio Internacional de Literatura de 2001 da Nonino e onze doutorados honorários.

A imersão em suas memórias nos faz conhecer a história de luta de um menino que se transforma em um homem que quer compartilhar a história de sacrifícios e resistência de seu povo. Acompanhar a caminhada na qual o autor atravessou e o seu reerguer como uma fênix é gratificante. Se colocar - pelo menos de forma a compreender seu universo - em seu lugar é o mínimo que podemos fazer. Uma leitura necessária para todos.

“A crença em si mesmo é mais importante do que intermináveis temores acerca do que os outros pensam de você. Valorize-se, e os outros irão valorizá-lo. A melhor legitimação é a que vem de dentro.”

THIONG'O LENDO UM TRECHO DO LIVRO.

OUTRO LIVRO DO AUTOR: Publicado em 1967, este romance magistral trata do difícil processo de independência do Quênia, e das dúvidas e lealdades que cada um leva consigo. Mugo é um homem solitário, tido como herói pelos habitantes da aldeia de Thabai. Ele atuou ao lado de Kihika, mártir da luta contra o domínio inglês e, durante o tempo em que ficou preso, nunca delatou seus companheiros, nem mesmo sob tortura. Com a chegada do dia da independência, ex-ativistas planejam expor e executar o suposto traidor que levou Kihika à morte. Sombras começam então a pairar sobre todos. Um grão de trigo narra eventos marcantes da história africana, com personagens humanos, hesitantes e passionais, mas capazes de grandes feitos.


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SOBRE O AUTOR: Ngũgĩ wa Thiong'o é um escritor queniano, que escreveu obras em língua inglesa e que posteriormente tem escrito em língua gĩkũyũ. A sua obra inclui novelas, peças teatrais, contos e ensaios, da crítica social à literatura infantil. É o fundador e editor da revista gĩkũyũ Mutiiri.

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