[COLAB MANU] Por que ELA não?

junho 05, 2018


Olá galera, tudo bem? Hoje inauguramos uma nova parte do PARA DISCUTIR. Agora, também teremos textos de colaboradores. E a nossa primeira é a Manu, parceira aqui do ML. 
Uma postagem especial e super necessária. 

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Esses dias, terminei de ler um e-book que me chamou atenção por causa da sinopse. Nela, a autora prometia uma história de amizade entre uma mulher que se declarava "bela, desapegada e do bar", adepta ao sexo casual e avessa a compromissos, e um rapaz comprometido, na dele e o total oposto de sua nova amiga.
Bom, não preciso falar que um romance surgiu dessa história, mas meu foco hoje não é esse. O que me fez escrever sobre esse livro sem nem resenhá-lo, foram algumas opiniões que vi sobre ele. Como disse, a personagem principal do livro é diferente do que vemos por ai. Ela sai, bebe, dança, beija na boca e se diverte. E isso foi uma das coisas que adorei, pois é difícil encontrar personagens femininas assim. Quer dizer, já vi diversas personagens que prometiam esse estilo de vida, mas que não era mostrado, pois ela já começava a história embarcando em um relacionamento.

O que não é um problema, mas foi divertido ver esse estilo de vida na prática, não somente o após. Entretanto, imaginem minha surpresa quando a maioria das pessoas que falaram sobre o livro estava declarando ranço pela personagem exatamente por ela ser assim? Li coisas como "Não sei. Gostei um pouco dela no final, (no final, um problema surge e a menina passa a ficar mais em casa, sem sair, beber e etc.) mas não seria amiga dela." e "Como que ela dorme com um cara assim? Conheceu e transou? Achei estranho." E minha pergunta é: Por que ela não seria uma boa amiga? E o que tem de estranho em dormir com um cara que você acabou de conhecer, sendo que existem vários livros onde homens fazem isso — vários mesmo, quase todos — e isso não causa estranheza? ⠀

Sabe, nós falamos tanto sobre personagens empoderadas, fortes e donas de si, mas talvez isso só se encaixe dentro da fantasia. Ou dos thrillers. Porque se uma mulher, dentro de um romance, se mostra ok com sua vida sexual, gosta de beber, sair, dançar e fazer tudo o que lhe é de direito, ainda causa desconforto em diversas pessoas, inclusive em mulheres. A grande maioria adorou o personagem masculino e o aplaudiu por seu jeito mais centrado, quieto e avesso ao da protagonista. Mas deixa eu falar um pouquinho sobre ele.

Seu jeito mais controlado não era algo verdadeiro, pois ele constantemente divagava sobre querer dançar, curtir e aproveitar as baladas, mas sua namorada não gostava e para não discutir com ela, acabava ficando na dele e enchendo a cara. [Bebia o tempo inteiro, até quando o relacionamento acabou e, tecnicamente, ele poderia fazer coisas além, mas não vamos julgá-lo, afinal, ele é o homem, né?] Vi vários elogios como fofo, romântico, gente boa e "feito para namorar", mas não entendi muito bem o motivo.

Sua namorada realmente brigava por tudo, — aquela personagem feita para odiarmos e desejarmos os dois protagonistas juntos — mas ele constantemente afirmava continuar naquele relacionamento por comodismo. Outro ponto foi o momento em que sua namorada confessa uma traição e ele surta, sendo que na minha opinião, você dormir agarrado com outra mulher, enchê-la de beijos no pescoço e carícias pelo corpo também conta como traição, então que tipo de julgamento é esse? E ah! Nossa protagonista está acima do peso, especificamente dez quilos acima do "ideal" para ela. Incrível!

Mas não pro nosso superhomem aqui, pois ele afirma duas vezes que ela é gostosa demais, MESMO estando longe de ter o corpo perfeito. O que eu não entendi muito bem, já que ela não estava com nenhuma gripe para que seu corpo precisasse combater algum tipo de problema. [Mas não vamos julgá-lo e nem compará-lo com a personagem principal que assumia seus riscos e seu estilo de vida. Ele é perfeito para ser seu amigo! Ele é confiável e fofo! Não importa que isso não tenha lógica.]

Seus amigos eram machistas e constantemente objetificavam a protagonista, — que lidava muito bem com as situações, mas não vamos elogiá-la por esse comportamento — e isso não foi muito discutido pelo personagem. Ele os advertia esporadicamente, mas nada que afetasse a amizade. Qual a necessidade, não é mesmo? Homem têm dessas coisas! [Isso acontecia com outras mulheres também.]

Mas enfim, o meu intuito com esse texto é falar sobre o pensamento condicionado que temos. Uma mulher livre de todas as correntes que foram colocadas em nossas cabeças aparece em um livro, e nós a condenamos, mas olhamos para o cara "diferente" de maneira genérica, sem perceber que não há nada de diferente ali. Uma mulher que faz sexo casual não torna um homem maravilhoso por querer um relacionamento sério.

Uma mulher que bebe não é menos confiável do que uma que não bebe e não deve ser usada para enaltecer um homem que também não tem esse hábito. O empoderamento entra em desfoque do momento em que um personagem masculino ganha um holofote seletivo e se torna melhor por ser "diferente" de uma personagem feminina que gosta de sexo, festas e curtição. Novamente, quantos homens na literatura fazem isso e nós não questionamos a personalidade deles?

Estamos em uma luta não apenas pela visibilidade da mulher dentro da sociedade, nos livros, nos filmes e em todos os campos, mas também contra esse tipo de pensamento vindo de nós mesmas. É difícil desconstruir essas ideias que nos seguem pela vida, mas acredito que o primeiro passo é falar sobre. Questionar e debater, mesmo que consigo mesma. 

Por que eu não seria amiga dessa personagem? 
Por que o estilo de vida dela é estranho? 
Por que ler isso me incomoda? 

Devo julgá-la só porque nossos hábitos são diferentes e não me identifico nela? 
É uma luta longa que vai levar tempo. Mas, se quisermos ganhar espaço, precisamos dar espaço também, mesmo que as escolhas de vida de uma mulher não sejam iguais a sua. Fictício ou não, precisamos pensar sobre isso. Precisamos aceitar que uma mulher pode fazer tudo com a própria vida, assim como um homem. Assim como qualquer ser humano.

Porque no fim, é isso o que todos somos! Seres humanos com direitos, vontades, manias e capacidade de fazer escolhas. Nada além disso.


COLABORADORA: 
Emanuelle • Manu 

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