[PARA DISCUTIR] A importância de um Leitor de Sensibilidade.

janeiro 04, 2019


Olá queridos, tudo bem com vocês? Eu espero que sim. Hoje vamos reinaugurar a coluna PARA DISCUTIR, e com um tema que queria escrever há algum tempo: importância de um leitor de sensibilidade para os livros. Desde que entrei na comunidade do NetGalley e me tornei beta de dois livros (incríveis) acabei percebendo a necessidade em ter livros own voice ou que tenham passado pelas mãos de pessoas que vivenciaram o assunto apresentado. São livros mais desenvolvidos, estruturados e planejam ter cuidado com o que está sendo exposto ao longo de suas páginas. Mas como surgiu tudo isto e como funciona? Bora saber mais. 

O que é um leitor de sensibilidade?

“É preciso amor para poder pulsar, é preciso paz para poder sorrir, é preciso a chuva para florir”. Eu tenho um amor enorme por esta música e frase em específico do mestre Almir Sater. Em especial por ela definir exatamente o papel do leitor de sensibilidade, que poderá ler e omitir uma opinião ou mensurar o que existe de controverso ou desacordo com o tema retratado. Em muitos casos, como em livros YA ou NA onde os públicos são jovens, deve existir uma análise do que está sendo dito e proposto, já que existem trigger warning e a empatia em criar algo verdadeiro e justo. Não é um tipo de censura, como muitos autores e até leitores apontam. É como uma leitura de beta: você pode opinar ou dizer "olha, isso aqui não é assim...". E pela pessoa viver em tais condições diariamente, pode dar uma visão mais completa, verídica e cuidadosa, dependendo do caso. Estes leitores podem ser contratados como também podem ser pessoas da confiança do autor. Recomendo muito este vídeo da Bruna Miranda para eventuais futuras pesquisas. 

Como surgiu este termo?

Surgido nos países de língua inglesa e atuando ainda de forma incipiente no Brasil, o "sensitivity reader" é um integrante de grupos sociais contratado para apontar, ainda no manuscrito, conteúdos que possam provocar pressões e boicotes. A maioria se qualifica por características como cor da pele, nacionalidade, orientação sexual, vícios, histórico de abuso sexual e problemas psiquiátricos. Parte tem formação literária, mas importa pouco. O principal é a experiência pessoal que permite identificar conteúdos suscetíveis a estereotipar minorias.

Dois exemplos foram registrados nos Estados Unidos em 2015 e 2016, quando as autoras Emily Jenkins (A Fine Dessert) e Ramin Ganeshram (A Birthday Cake to George Washington) foram criticadas por ilustrarem seus livros infantis com escravos sorridentes e felizes. Segundo relatório da PEN America em 2016, obras com personagens negros, LGBT ou portadores de deficiência são as maiores vítimas.

Como está o este novo mercado no Brasil?

Ainda estamos a passos de bebê quanto a este assunto. Entretanto, a Editora Seguinte adotou ao método com a contratação da advogada travesti Terra Johari, 25, para colaborar no processo de tradução de Fera, da autora americana Brie Spangler, onde uma das personagens é transsexual. O blog Alliahverso publicou esta postagem incrível sobre Leitura Sensível. Para ler, basta clicar aqui. É um artigo importantíssimo, onde ele conta sobre sua própria experiência pessoal e profissional. Inclusive, separei este trecho que defini totalmente o assunto: 

"É ajudar a escritora a criar histórias melhores. O artista é livre para explorar todas as possibilidades que sua imaginação conjurar e isso inclui escrever personagens que fogem ao seu dia-a-dia, às suas experiências pessoais, ao seu círculo de amizades e aos seus limites de classe, profissão, gênero, sexualidade, etnia, o que for. Se o autor quer escrever uma personagem que é uma geofísica trabalhando com prospecção mineral, ele irá pesquisar sobre o assunto e consultar alguém que trabalha com isso. Ele terá que consultar uma mulher geofísica não apenas para saber sobre seu trabaho, mas também para entender a misoginia que ela enfrenta no meio, algo que será crucial para sua personagem. O leitor sensível oferece esse mesmo tipo de ajuda, mas analisando o texto depois que ele está escrito."

Quanto é cobrado? 

Depende muito do contratante. Aqui no Brasil, existem diversos leitores sensíveis. Abaixo segue uma lista de alguns deles que caso exista interesse, você pode entrar em contato: 


Censura?

Sabemos o quanto a literatura é uma arte plural e isto a torna ainda mais especial e incrível. Porém, deve-se ter o cuidado ao retratar a realidade da qual não se está inserida, como bem aponta Nathalia DiMambro, editora da Seguinte: "Quando um autor escreve sobre uma minoria da qual não faz parte, pode sem querer reforçar estereótipos ou usar termos que sejam mal interpretados". Não tem problema algum você ter a orientação sexual heterossexual e querer escrever sobre homossexuais. A única coisa que você deve se atentar e priorizar é saber como escrever e desenvolver estes personagens. 

Não é uma censura (e acho um erro colossal quem faz tal disparate), até porque este ato é tomado de formas violentas, como ocorreu com regimes ditatoriais. E também não estamos falando em restringir e tentar pintar um quadro colorido e utópico de algo que sabemos ser complexo e nada bonito ou em um caso mais grave, alterar drasticamente a história para se encaixar em algum padrão que possa ser aceito ou comprado. Esta não é a função do leitor sensível. Por isso existe a discussão a respeito de gatilhos e representatividade de personagens nos livros contemporâneos. Nesta postagem e esta outra aqui são excelentes em explicar tal tópico de nossa discussão. É a questão do local de fala, a pessoa que sofre o preconceito ou a situação em pauta fala por si como protagonista da própria luta e movimento. 

Acréscimos bacanas: 

Exemplificando

No segundo artigo exposto ali em cima, Cheryl Morgan aponta que mesmo que exista a boa vontade do autor em retratar uma minoria, ainda assim, pode existir equívocos como ocorre com personagens transsexuais, que são diversas vezes escritas como aquelas que apresenta um começo e final trágico. "O que estou procurando são livros que não são escritos a partir do olhar cis. Eu quero livros que sejam felizes em aceitar pessoas trans como pessoas que podem fazer todo tipo de coisas na vida, não apenas fazer pontos teóricos sobre gênero, fazendo a transição de um para o outro. Ou sofrer tragicamente porque eles não são aceitos pela sociedade", confessa.

Ocorreram muitos casos famosos, como das autoras Keira Drake e da Becky Albertalli. Na primeira, Drake iria lançar seu romance adulto chamado The Continent. Ao publicá-lo para leitores ARCS, acabou recebendo duras críticas por retratar estereótipos gravíssimos quanto a gênero, raça e etnia em seus personagens. Assim, alterou a data de publicação e dedicou seus próximos seis meses a reedição, com a ajuda de dois leitores de sensibilidade. O mais legal positiva foi a mudança sentida pelos leitores novos e os antigos. Já Albertalli colocou em determinada parte de seu livro Simon vs. A Agenda Homo Sapiens, o protagonista comentando que acha que para garotas lésbicas/bissexuais é mais fácil sair de situações constrangedoras, porque alguns homens gostam disso. Os leitores em sessões de autógrafos e pelas redes sociais, reclamaram que houve fetichização. Felizmente nestes casos, houveram retratações e correções por parte das autoras. 

Comparações a autores clássicos e outras traquinagens 

Ao longo de minha pesquisa vi muitas falas do tipo: "ah pronto! Agora não querer intervir em Otelo de Shakespeare só porque o coitado não era negro". Eu compreendo o fundamento de cada uma. Mas, não concordo. Primeiro que em muitos livros clássicos existem um teor de crítica social fortíssimo, como no caso de Otelo e outros livros de Shakespeare. E se não houver, podemos ler para criticar. É injusto os comparativos com livros produzidos na geração y, que se modificou como forma de evoluir e se encaixar de acordo com o que esta geração está produzindo. Grande parte dos livros que recebem os leitores sensíveis são voltados para o público infantojuvenil, essencialmente as crianças. Então, fiquem em paz quanto ao medo de se tornar modificada uma leitura clássica ou adulta e mais séria. Assim, separe os nichos e entenda a importância destas pessoas com um olhar mais crítico e especializado. 

O que acho de tudo isto?

Em minha opinião, se faz necessário a existência de leitores sensíveis e acredito que isso ficou claro ao longo desta postagem. Livros em que existem assuntos polêmicos ou que retratem uma minoria devem ter sua composição trabalhada cuidadosamente e um leitor sensível pode ser ideal para se chegar a uma retratação real do que é enfrentado e vivido por eles. Deixando claro (novamente) que não é censura. Como dito pelo Yuri do canal Livrada, isto não poderá tirar a qualidade de escrita do autor e da obra (até porque existem livros com leitores de sensibilidade que sofrem com problemas de narrativa e de construção de personagem). É uma chance de acertar na representação dos personagens e dar voz a tantas pessoas ignoradas. 

Artigos para aprofundar a leitura: 


Fontes consultadas: Folha de S. Paulo

Espero que tenham gostado da postagem! Um super beijo. 

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