[RESENHA DUPLA] Pequenos incêndios por toda parte + Tudo o que nunca contei, CELESTE NG.
abril 21, 2019
Olá galera, tudo bem? Hoje teremos mais uma resenha dupla e desta vez da autora Celeste Ng, que vem conquistando a todos com seus livros impecáveis e histórias reais, surpreendentes e que deixam aquele gostinho agridoce que se tornou sua marca registrada. Pequenos incêndios por toda parte e Tudo o que nunca contei são os seus principais livros aqui no Brasil, lançados pela editora Intrínseca. Ambos são carregados de representatividade e sempre abordam a família com um drama central como enfoque. Me tornei fã da autora e espero que as resenhas despertem a curiosidade para conhecê-los. Então vamos lá?
LIVRO I
SINOPSE: Um encontro entre duas famílias completamente diferentes vai afetar a vida de todos. Em Shaker Heights tudo é planejado: da localização das escolas à cor usada na pintura das casas. E ninguém se identifica mais com esse espírito organizado do que Elena Richardson. Mia Warren, uma artista solteira e enigmática, chega nessa bolha idílica com a filha adolescente e aluga uma casa que pertence aos Richardson. Em pouco tempo, as duas se tornam mais do que meras inquilinas: todos os quatro filhos da família Richardson se encantam com as novas moradoras de Shaker. Porém, Mia carrega um passado misterioso e um desprezo pelo status quo que ameaça desestruturar uma comunidade tão cuidadosamente ordenada. Eleito nos Estados Unidos um dos melhores livros de 2017 por veículos como Entertainment Weekly, The Guardian e The Washington Post, Pequenos Incêndios Por Toda Parte explora o peso dos segredos, a natureza da arte e o perigo de acreditar que simplesmente seguir as regras vai evitar todos os desastres.
Pequenos incêndios por toda parte foi um livro que me surpreendeu. Foi o meu primeiro contato com a escrita de Celeste. Devo confessar que o início foi lento e só consegui pegar o ritmo de leitura na segunda tentativa. A história se passa na cidade de Shaker Heights, onde a autora morou durante a infância. Na parte inicial somos apresentados a família Richardson por meio da matriarca, Elena Richardson, quando sua residência é incendiada. O mais intrigante é a principal suspeita do crime: a sua filha caçula, Izzy. A personagem se apresenta como alguém que gosta de viver isolada, talvez por se sentir distante da vida de sua família. Tudo começa a contribuir para tal julgamento quando ela foge.
“As regras existiam por um motivo: se você as seguisse, teria sucesso; se não as seguisse, talvez acabasse ateando fogo ao mundo.”
Nesta fórmula ainda são adicionadas as personagens Mia e Pearl Warren. Elena ajuda as Warren a se sentirem acolhidas pela comunidade. Assim, Pearl é apresentada a família Richardson, que possui outras três crianças: Lexie, Trip e Moody. Lexie engravida do namorado Brian, Pearl se apaixona por Trip e Moody rapidamente se apaixona por Pearl (em um caso clássico de Quadrilha do autor Carlos Drummond de Andrade). Izzy acaba por se apegar a Mia como se ela fosse sua própria mãe. Para completar o pacote de drama escrito com maestria por Celeste, surge uma amiga chinesa de Mia chamada Bebe McCollough. Os Richardson estão em um processo de adoção de um bebê que, na verdade, é de Bebe. Assim, a trama de quem fica com a criança, chamada de Mirabelle também ganha espaço. Em meio a tudo isto, também teremos Elena empenhada por descobrir o passado de Mia e o que ela pode estar escondendo com tanto afinco de todos.
Parece ser um monte de situações que se perdem em meio a narrativa. Porém, ai está o grande trunfo de Ng. Ela consegue trançar todos, dando o devido destaque e crescimento a seus personagens e espaço para todos os encaixes e soluções serem propostos. Gravidez indesejada, adoção, dramas familiares e falta de comunicação, são alguns dos pontos trabalhados. A mentira e o quanto ela é capaz de alimentar egos e destruir sentimentos partilhados é o grande ponto chave da história e causa uma reflexão que irá perdurar durante muito tempo por sua mente. O final emociona, deixando um gosto agridoce. É uma leitura profunda e que mexerá com seu emocional de forma indescritível.
"Todo mundo merece mais de uma chance. Todos nós fazemos coisas de que nos arrependemos de vez em quando. Você só tem que carregá-las consigo."
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LIVRO II
SINOPSE: Na manhã de um dia de primavera de 1977, Lydia Lee não aparece para tomar café. Mais tarde, seu corpo é encontrado em um lago de uma cidade em que ela e sua família sino-americana nunca se adaptaram muito bem. Quem ou o que fez com que Lydia — uma estudante promissora de 16 anos, adorada pelos pais e que com frequência podia ser ouvida conversando alegremente ao telefone — fugisse de casa e se aventurasse em um bote tarde da noite, mesmo tendo pavor de água e sem saber nadar? À medida que a polícia tenta desvendar o caso do desaparecimento, os familiares de Lydia descobrem que mal a conheciam. E a resposta surpreendente também está muito abaixo da superfície. Conforme analisa e expõe os segredos da família Lee — os sonhos que deram lugar às decepções, as inseguranças omitidas, as traições e os arrependimentos —, Celeste Ng desenvolve um romance sobre as diversas formas com que pais, filhos e irmãos podem falhar em compreender uns aos outros e talvez até a si mesmos. Uma uma observação precisa e dolorosa do fardo que as expectativas da família representam e da necessidade de pertencimento. Um romance que explora isolamento, sucesso, questões de raça, gênero, família e identidade e permanece com o leitor bem depois de virada a última página.
Este livro, assim como Pequenos incêndios, foi uma leitura intensa. Descobri um possível defeito da narrativa de Ng: os inícios são sempre monótonos, principalmente para nos introduzir ao universo que estaremos imersos. Mas em nada tira o brilho de suas histórias. Aqui temos a narração em terceira pessoa e acompanhamos a família Lee durante um período obscuro de suas vidas em plena década de 70. Lydia será o elo principal para entendermos a dinâmica entre os outros personagens. Ela é filha de James e Marilyn, professor universitário e dona de casa, respectivamente. Seus irmãos são Natan (mais velho) e Hannah (mais nova).
O pai é imigrante chinês e tenta levar uma boa vida em solo americano com sua família, apesar de sentir na pele as dificuldades e a discriminação por parte da comunidade. Inclusive, a abordagem sobre xenofobia - que acaba ocorrendo de modo velado - é tão bem exposta que nos sentimos raivosos e tristes por ler e saber que é a realidade próxima e diária. A mãe abdicou de sua formação como médica para cuidar dos filhos e se tornar uma boa esposa, o que a deixa frustrada. O início mostra o desaparecimento de Lydia com o desenrolar da sua busca e as investigações que acabam nos levando a sua morte.
"Aquilo desapareceria da lembrança que guardaria de Lydia, do jeito que as lembranças que guardamos das pessoas amadas sempre se suavizam e se simplificam, perdendo complexidade como se fossem escamas."
Conflito familiares sempre estarão presentes como foco principal dos livros da autora, o que é ótimo, pois ela tem uma firmeza e esperteza ao escrever e descrever cenas e diálogos sobre cada um dos familiares, sejam adultos ou crianças. As vezes é um talento bem surreal, o que nos imerge de forma bem pessoal na sua narrativa, principalmente se nos apegamos a determinado personagem, como ocorreu comigo em relação a Lydia, Natan e Hannah. Cada um tem suas motivações e defeitos que os fazem únicos. A falta de comunicação é um dos principais problemas que deixaram a família esconder suas dores e não partilhá-las, o que fica bem perceptível nas parte do James e Marilyn, que vieram de criações diferentes e as colocam em prática com seus filhos, sem ao menos perceberem o quanto os afetam - e de forma negativa. Eles negligenciam Natan e Hannah e estendem suas frustações para Lydia, considerada a filha ideal. É angustiante de acompanhar. Aliás, o personagem de James me causou tanta revolta que não consegui sentir qualquer empatia por ele.
Talvez, se existisse mais conversa e troca entre os personagens, alguns não teriam tomado certas decisões. Infelizmente é o que ocorre em muitos lares, o que também evoca o lado sociocultural que a autora sempre busca elucidar. Mas, antes de tudo, acredito que Celeste quis colocar para reflexão o lado familiar e a necessidade de repensar no conceito de família e o que realmente nos importa e mantém unidos. O amor, respeito, reciprocidade e diálogo devem sempre estar de mãos dadas para o equilíbrio ser mantido e existir uma boa convivência, ainda mais em tempos tão complicado como o que estamos vivendo. Uma história que traz uma bagagem realista e que deixa qualquer um embasbacado por sua escrita e final meditativo, mesmo que não seja perfeito ou satisfatório.
"As pessoas formam uma opinião antes de conhecerem você. Elas acham que sabem tudo a seu respeito. Só que você nunca é quem elas pensam."
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SOBRE A AUTORA: Celeste Ng cresceu em Pittsburgh, Pensilvânia, e Shaker Heights, Ohio, nos Estados Unidos, em uma família de cientistas. Formou-se em Harvard e fez o mestrado em belas-artes pela Universidade de Michigan, onde ganhou o Hopwood Award. Seus ensaios e trabalhos de ficção já foram publicados na One Story, TriQuarterly, Bellevue Literary Review, Kenyon Review Online. Atualmente Ng mora em Cambridge, Massachusetts, com o marido e o filho.
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