[ENSAIOS E ESTUDOS] O COBRADOR DE RUBEM FONSECA.

janeiro 19, 2020


POR KARLA GOMES

A violência na nossa sociedade deixou de ser algo que causa medo, dor e sofrimento, e passou a ocupar o espaço da banalidade. Ela se mostra presente nas mídias, nas ruas, nas nossas casas, e não causa mais indignação, muitas vezes ela é considerada a única solução em uma sociedade que clama “bandido bom é bandido morto”. 

Na literatura, e principalmente nos textos contemporâneos, a violência será representada de uma forma nua e crua, que vem para causar incômodo ao leitor. Essa representação surge a partir da necessidade em tornar a violência como tema na literatura, uma vez que ela é intrínseca a nossa sociedade, como aborda Camila Dalcin, em sua dissertação, trazendo o olhar da crítica Pellegrini: 

A exploração da tragicidade urbana é vista pela autora sob dois aspectos: o primeiro, trata da necessidade de a violência ser tematizada, uma vez que é intrínseca à realidade brasileira; o segundo aspecto aponta para o perigo da banalização dessa violência, o que faria a literatura reproduzir a lógica da mídia hegemônica; perigo este também evidenciado nas reflexões de Pellegrini (2008). (DALCIN, 2015, p. 19) 

Nas produções de Rubem Fonseca, a violência será tratada como tema e linguagem, além de trazer para as suas narrativas personagens que trazem à tona a violência, seja como o agressor ou vitima - ou os dois -. A sua escrita é marcada por períodos simples e uma linguagem mais popular, sem censuras, com uma agressividade que é característica do autor, como podemos perceber no seu conto “O cobrador”, que é protagonizado por um sujeito que decidiu que não iria mais pagar nada que a sociedade lhe impõe, agora ele só iria cobrar aquilo que era seu por direito, mas nunca lhe foi dado: “Digo, dentro da minha cabeça, e às vezes para fora, está todo mundo me devendo! Estão me devendo comida, buceta, cobertor, sapato, casa, automóvel, relógio, dentes, estão me devendo.”

O cobrador traz muitas provocações e reflexões, uma vez que nós temos uma história que tem influencia jornalística, mas que traz o ponto de vista do agressor já que se trata de um conto que é narrado em primeira pessoa. Por isso, nós temos acesso não só aos crimes cometidos, mas também o que o personagem pensa, e o que lhe faz agir de tal maneira. A dureza nas suas palavras e a sua amargura nas ações, causa no leitor uma sensação de desconforto, principalmente por se tratar de uma figura que se encontra marginalizada na nossa sociedade, um ser invisível, até se tornar notícia através da violência. 

As ações de do Cobrador na narrativa de Rubem acaba tornando-se um símbolo que traz consigo todos aqueles seres esquecidos, marginalizados, e que no seu ápice de indignação com o ambiente inserido, recorre àquilo que ele já era vítima há muito tempo: a violência. Assim como o filme O coringa, que teve sua estreia em 2019, O cobrador não traz nenhum alívio cômico para a narrativa. A sensação é de incomodo do início ao fim. E assim como o protagonista de Fonseca, O coringa traz a imagem de uma figura que sofre de um apagamento social, que é vítima de uma sociedade que lhe nega o básico. Ele tenta entrar nos moldes que lhe são exigidos, mas ele não sente que pertence aquele lugar, e o único momento em que ele se sente alguém, é quando ele tira sua máscara social, para assumir a máscara de um ser que lhe é mais confortável, tornando-se um (anti) herói coletivo em uma sociedade que é explorada e sucateada, e vê na violência uma válvula de escape. Desse modo, podemos observar que a violência nos textos literários traz um efeito catártico ao leitor que já não se sente mais atingido pelas notícias em massa. E no texto de Fonseca, o leitor é atingido pela violência através da temática, e das suas descrições que apesar de serem sucintas, trazem a visceralidade em seu âmago.

SIGA A KARLA NAS REDES SOCIAIS:

CONHEÇA NOSSAS OUTRAS POSTAGENS:

0 comentários

@mariandonoslivros