[RESENHA] A PARÁBOLA DO SEMEADOR, OCTAVIA BUTLER.

janeiro 19, 2020


Octavia escreveu este livro em 1993, com a intenção de produzir uma trilogia. Porém, ao terminar o segundo livro, Parábola dos Talentos, acabou tendo um bloqueio de escrita e faleceu antes de dar sequência a duologia já criada. Apesar disto, foi muito além de seu tempo, criando e especulando um mundo não muito distante do que temos hoje em 2020 - e sua história se passa em 2024. Assim, A Parábola do Semeador nos leva a uma distopia corajosa e cercada de ensinamentos.

SINOPSE: Quando uma crise ambiental e econômica leva ao caos social, nem mesmo as cidades muradas estão seguras. Em uma noite de fogo e morte, Lauren Olamina, a jovem filha de um pastor, perde sua família, seu lar e se aventura pelas terras americanas desprotegidas. Mas o que começa como uma fuga pela sobrevivência acaba levando a algo muito maior: uma visão estonteante do destino humano. E ao nascimento de uma nova fé. 

Los Angeles. 2024. O sistema caiu e se transformou em um verdadeiro caos. A comida e a água diminuíram, muros são necessários para proteger comunidades, a violência aumentou astronomicamente a ponto de crianças e idosos aprenderem a manusear armas para proteger a si e suas famílias. Uma nova droga chamada "piro" transforma os humanos em animais raivosos. A polícia se torna corrupta e não trabalha mais pela proteção dos indivíduos. Políticos encontram nesta situação uma forma de angariar votos. É neste cenário apocalíptico que se encontra a nossa protagonista, Lauren Oya Olamina, que vive com sua família em uma pequena comunidade. 

É terrível ter a percepção do local onde Olamina mora sob seu olhar e perceber que tudo que vivenciou com sua pouca idade a moldou de forma a ser uma jovem com amadurecimento precoce, que tem para si uma ideia: A Semente da Terra, uma religião que acredita na mudança por meio do ser humano. Outro detalhe importante sobre ela: tem hiperempatia, que adquiriu durante a gravidez de sua mãe, que consumia um tipo forte de droga. Com esta condição, Olamina consegue compartilhar a dor de outras pessoas consigo mesma, o que em dado momento pode deixá-la incapacitada. 

Como sua intuição sempre dizia para se preparar caso ocorresse alguma emergência ou ataque, Olamina guarda dinheiro, armamento e outros suprimentos que julga necessário. Também consome muitos livros didáticos ou biográficos para conseguir ter referências que possam ajudá-la em sua sobrevivência. O mais intrigante é entender que o local onde Olamina se encontra é "privilegiado" se comparado a outros que não possuem, por exemplo, um sistema de segurança feito pelos próprios moradores ou certos tipos de verduras e frutas. A noção do que simboliza a segurança é muito bem colocada, mesmo quando, metaforicamente, o que se mostra é que nada pode ser considerado certo. O que nos leva ao grande momento do livro. 

A comunidade de Olamina é atacada e sua família morta. Antes disto, seu irmão do meio já havia se arriscado a ir para fora por puro capricho e seu pai, um homem a quem admirava, acabou por ser dado como morto depois de tanto tempo desaparecido. Então, em meio a destruição, consegue encontrar dois rostos conhecidos: Harry Balter e Zahra Moss, que a seguem rumo a um local que possam descansar e se manter a salvo. O livro se torna a jornada destes três rumo ao norte, onde julgam poder ficar bem, até que começam a encontrar outros sobreviventes: a família Travis, Dominic e Natividad; as irmãs Jill e Alli; a criança Justin; Grayson e Doe; Emery e Tori além de Bankole, o interesse amoroso de Olamina que se desenvolve do meio para o final do livro. 

No período em que estão na busca de um local para permanecerem, acontecem tantas situações de atrocidade humana que me fez pensar na questão do homem como animal (modo de ser portar) quando precisa nutrir uma necessidade primária - comer, beber, dormir - e como um animal político, como observou Aristóteles, que precisa viver nesta vida em sociedade, sendo assim, um ser carente e imperfeito, propenso a cometer erros (ou barbaridades) para ter suas posses. Outra questão que me chamou atenção foi a forma como Olamina propaga seu discurso sobre A Semente: ela utiliza sua voz forte e influente para explicar a essência desta forma de religião, sempre trazendo situações que ocorrem com o grupo para contextualizar no que esta crença simboliza. 

O final nos deixa com aquela sensação de continuidade, mas que dá a entender que apesar da situação ser complicada para todos, juntos eles se tornam mais fortes e a comunidade que eles pretendem criar pode crescer e repassar a mensagem de A Semente da Terra para as próximas gerações. Recomendo ler a entrevista da autora ao final da obra, pois dará um entendimento maior sobre suas ideias para este livro. Em resumo, nas próprias palavras da autora, este livro é uma reflexão de "para onde estamos indo, o que estamos fazendo agora, e para imaginar onde alguns de nossos comportamentos atuais e problemas negligenciados podem nos levar".

Trecho especial: 
"Somos Semente da Terra. Somos matéria - consciente, direcionada, que resolve problemas. Somos aquele aspecto da Vida na Terra mais capaz de moldar Deus conscientemente. Somos a vida da Terra amadurecendo. Vida da Terra preparando-se para abandonar o mundo-mãe. Somos a Vida da Terra preparando-se para criar raízes em solo novo. Vida da Terra cumprindo seu propósito, sua promessa, seu Destino."

Rascunho dos pensamentos de Octavia sobre o livro (Fonte: Arquivos de Octavia E. Butler).
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SOBRE A AUTORA: Filha de um engraxate e uma empregada doméstica, a Grande Dama da Ficção Científica nasceu na Califórnia, em 1947. Aos 12 anos, assistiu ao filme “A Garota Diabólica de Marte”, que era tão ruim, mas tão ruim, que mudou completamente sua vida. Octavia decidiu que contaria histórias melhores do que aquela e assim começou sua jornada como escritora. A autora precisou lutar contra a pobreza, a dislexia e o racismo para receber um diploma universitário e foi a primeira mulher negra norte-americana a conquistar o sucesso em uma área da literatura dominada por homens: a ficção científica. Ao longo de sua carreira, foi laureada com o MacArthur Fellowship, Hugo, Nebula e Locus Awards, além de ser indicada mais de 20 vezes à prêmios. Representava em seus livros heroínas negras e explorava temas como raça, empoderamento feminino, divisão de classe, sexualidade e escravidão. Em 2010, quatro anos após sua morte, foi inserida no Hall da Fama da Ficção Científica, em Seattle. Sua obra continua tão relevante, que ainda hoje é objeto de estudo e seu trabalho e vida ganharam uma magnifica exposição na The Huntington Library, na Califórnia.

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