UM POUCO DA HISTÓRIA DA NOSSA POETISA ANA CRISTINA CESAR.

janeiro 20, 2021


Infelizmente existem autores brasileiros que podem passar despercebido por nossas listas de leituras e estudos. Um dos nomes que conheci faz pouco tempo foi o de Ana Cristina Cesar, uma das poetisas de maior talento e sucesso de nosso país. Nascida em 1952 no Rio de Janeiro, é filha do sociólogo protestante Waldo Aranha Lenz Cesar, um dos fundadores da editora Paz e Terra, que foi comprada pela Editora Record em 2012. Com apenas sete anos, teve seus primeiros poemas publicados no jornal Tribuna da Imprensa. Estudou Letras na PUC-Rio e também cursou dois mestrados, sendo eles em Comunicação na UFRJ e depois Teoria e Prática de Tradução Literária pela Universidade de Essex. Chegou a publicar no Jornal do Brasil, Folha de S. Paulo e no periódico Beijo, que fazia muito sucesso com a sua cobertura sobre cultura. Também trabalhou como analista de textos da Rede Globo. 

Realizou especializações voltadas a área literária e enquanto universitária, foi descoberta pela professora Clara Alvim, que se tornou sua mentora. Neste pequeno trecho publicado pela Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), Alvim conta sobre sua relação com Ana C. e seu despertar para conhecer mais do universo dos poetas. Percebe-se em seus trabalhos o reflexo do movimento de contracultura e as reflexões sobre a classe média carioca da zona sul, na qual sempre esteve inserida. Alguma de suas inspirações vem de autoras como Emily Dickinson e Katherine Mansfield, que conheceu ainda nova quando fez um intercâmbio para Londres. 

A sua carreira se iniciou na década de 70, com a sua produção poética confessional. Sua escrita tem muito dos seus pensamentos sobre o que acontecia em seu cotidiano. Inclusive, escrevia para um semanário chamado Opinião, que chegou a vender mais de 38 mil exemplares semanais em seu primeiro ano, especialmente por atuar como imprensa independente no período ditatorial. Tanto que ela faz parte da chamada "geração mimeógrafo", que utilizava o instrumento mimeógrafo (dai o nome do fenômeno sociocultural) para ir contra a censura imposta pela ditadura com a distribuição de materiais de conscientização e opiniões críticas. As produções literárias eram totalmente caseiras, assim como outras expressões artísticas como música, cinema e a dramaturgia. E foi a poesia marginal que recebeu muito destaque, com o nome de Ana Cristina Cesar sendo um dos relicários destas criações. 

Algo que também deve se levar em consideração é que naquela época, muitos escritores viviam a margem do mercado editorial, que era extremamente elitista. Por isso, para que suas obras chegassem aos leitores, era necessário seguir de maneira independente, se autopublicando. Por mais que o AI-5 fosse o tema constante de muita coisa que foi lançada, outros assuntos também foram fonte de inspirações como devaneios, sentimentos românticos e as transformações que ocorriam na sociedade, o que fez as obras de Ana Cristina se destacarem. 

Contagem regressiva

Acreditei que se amasse de novo
esqueceria outros
pelo menos três ou quatro rostos que amei
Num delírio de arquivística
organizei a memória em alfabetos
como quem conta carneiros e amansa
no entanto flanco aberto não esqueço
e amo em ti os outros rostos.
(Do livro Inéditos e dispersos: poesia, prosa) 

A autora sempre utilizava mais de uma assinatura (Ana C., Ana Cristina Cesar ou Ana Cristina), o que poderia simbolizar os seus "eus", demonstrando sua versatilidade. Heloisa Buarque de Hollanda, sua também professora, a inclui em uma seleção de talentosos poetas representantes da geração daquela década, intérpretes de uma liberdade estética incomum, que aproximou leitor e poesia por meio de informalidade e aparente improviso. Na época, a própria Ana Cristina declarou que sua poesia “é muito construída, muito penosa”. 

Aos 31 anos, em 1983, comete suicídio. Após sua morte, o poeta e amigo Armando Freitas Filho (1940) organiza sua obra e promove o lançamento dos livros Inéditos e Dispersos, em 1985, Escritos da Inglaterra, 1988, e Escritos no Rio, 1993. Abaixo, segue algumas de suas principais obras para conhecer mais do aptidão desta mulher maravilhosa:

Poética 

Entre fragmentos de diário, cartas fictícias, cadernos de viagem, sumários arrojados, textos em prosa e poemas líricos, Ana Cristina fascinava e seduzia seus interlocutores, num permanente jogo de velar e desvelar. Cenas de abril, Correspondência completa, Luvas de pelica, A teus pés, Inéditos e dispersos, Antigos e soltos: livros fora de catálogo há décadas estão agora novamente disponíveis ao público leitor, enriquecidos por uma seção de poemas inéditos, um posfácio de Viviana Bosi e um farto apêndice. A curadoria editorial e a apresentação couberam ao também poeta, grande amigo e depositário, por muitos anos, dos escritos da carioca, Armando Freitas Filho. Dos volumes independentes do começo da carreira aos livros póstumos, a obra da musa da poesia marginal - reunida pela primeira vez em volume único - ainda se abre, passados trinta anos de sua morte, a leituras sem fim.

A Teus Pés

É o primeiro e único livro de poemas que Ana Cristina Cesar lançou em vida por uma editora, em 1982. Além de material inédito, a obra reunia os três breves volumes que a autora havia publicado entre 1979 e 1980 em edições caseiras: Cenas de abril, Correspondência completa e Luvas de pelica. Desafiando o conceito de "literatura feminina" e dissolvendo as fronteiras entre prosa, poesia e ensaio, o eu lírico e o eu biográfico, Ana logo chamou a atenção de críticos como Heloisa Buarque de Hollanda e Silviano Santiago. Incluindo uma cronologia da autora, este clássico contemporâneo que integra Poética, a reunião de sua poesia completa, volta agora em forma avulsa às mãos do leitor, como foi idealizado pela autora.

Crítica e tradução

Organizados nas seções "Literatura não é documento", "Escritos no Rio, Escritos da Inglaterra" e "Alguma poesia traduzida", os textos críticos que Ana Cristina Cesar escreveu ao longo das décadas de 1970 e 1980 revelam a verve inconfundível da poeta. Entre ensaios combativos sobre o cinema documentário no Brasil, escritores malditos e a participação feminina na poesia nacional, destaca-se a tradução anotada do conto "Bliss", de Katherine Mansfield, tese que rendeu à Ana o título de Masters of Arts na Universidade de Essex, na Inglaterra, e ainda suas versões para poemas de Sylvia Plath e Emily Dickinson, entre outros. Uma obra essencial para estudiosos de cinema, literatura ou tradução.


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