[CURIOSAMENTE CURIOSO] SOBRE A LITERATURA DE CORDEL.

janeiro 20, 2021


A literatura de cordel é uma manifestação artística que mistura elementos de escrita, oralidade e da xilogravura, uma técnica de gravura feita na madeira. É típica da região Nordeste, em especial nos estados da Paraíba, Bahia, Pernambuco, Pará, Alagoas, Rio Grande do Norte e Ceará. Ela é divulgada em folhetos que são tradicionalmente vendidos em feiras populares ou em bancas de jornais, como aqui em São Paulo. 

O seu surgimento veio por meio da herança lusitana que partiu de Portugal, por volta do século XII, com o trovadorismo medieval, um movimento literário e poético que exaltava cantigas que eram divididas entre amor, de amigo e de escárnio e maldizer. Estas histórias eram compartilhadas com as pessoas como forma de espalhar conhecimento e muita diversão, visto que o analfabetismo era extremamente comum naquele momento. Depois, com a vinda do Renascimento e da criação da prensa de Gutenberg, foi possível fazer a impressão destes conteúdos para facilitar a sua divulgação, que eram dispostos em cordas. Inclusive, o teatro de cordel surgiu com a publicação de obras do autor português Gil Vicente, conhecido pela obra Auto da Barca do Inferno. 

Com a exploração dos portugueses em nosso território, como bem conhecemos, a tradição dos cordéis passou a se enraizar no cotidiano, principalmente após a popularização dos repentistas (responsável por cantar as poesias) e os violeiros. Hoje, ela é considerada um patrimônio imaterial da cultura brasileira. Utilizando-se de uma linguagem coloquial e muito influenciada pelos costumes e expressões dos locais que se é produzida, sempre traz histórias relacionadas ao folclore, política, contexto social,  questões mais pessoais, religiosidade, etc. 

É a partir da declamação dos poemas que o cordel se diferencia de outros movimentos. Ele possui uma métrica muito específica, com emprego de verbos e uso de rimas, que ditam o seu ritmo. Por isso, um cordelista precisa saber muita técnica, além de ter agilidade e criatividade. Para entender um pouquinho mais, recomendo muito esta publicação da Academia Brasileira de Literatura de Cordel. 

Nas capas dos seus pequenos livros (que podem ter de 8 até 32 páginas), os desenhos são feitos da xilogravura. A partir do seu entalhe em uma superfície de madeira, uma fina camada de tinta preta é passada para que ele se transforme em uma espécie de carimbo (para uma melhor visualização). Cada desenho tem suas características únicas que dizem muito sobre o cordelista e a história apresentada. 


Alguns nomes da literatura de cordel já são bem conhecidos como Leandro Gomes de Barros (suas obras estão em domínio publico) e Patativa do Assaré. Mas, existe uma gama enorme de talentos que você pode acompanhar como os trabalhos de Costa Senna, Tia Regina e Jarid Arraes. Ah, uma curiosidade: a peça O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, foi inspirada em dois cordéis do próprio autor. Neste vídeo interessante e bem produzido da editora Antofágica, você pode conferir outras informações bem bacanas. 

Abaixo, trago algumas dicas para quem quiser conhecer mais desta preciosidade nacional que diz muito sobre nosso contexto histórico e sociocultural. É mais descobrimento sobre nosso Brasil, que muitas vezes, passa despercebido. 

Cordel, Patativa do Assaré 

A força da poesia de Patativa do Assaré vem, talvez, do vínculo e dos contrastes entre a vida do poeta, o sertão e a cidade. Seus poemas nascem da matéria cotidiana, com seu saber, seu sabor, suas alegrias, seus encantos e desencantos, e todo o repertório de formas populares tradicionais que revisita e revitaliza. Patativa do Assaré, uma voz do Nordeste, contém uma antologia de seus melhores poemas, selecionada, organizada e apresentada por Sylvie Debs, da Universidade Robert Schuman (Estrasburgo). O volume integra a Biblioteca de Cordel. | Compre aqui

Cordéis que educam e transformam, Costa Senna 

Os cordéis de Costa Senna, um dos maiores cordelistas do Brasil, abordam com simplicidade e inteligência temas do nosso cotidiano, como participação política, alfabetização, uso consciente dos recursos naturais, entre outros, com a intenção de educar. Ao ler seus versos você será motivado a repensar e transformar seus caminhos. | Compre aqui

A Chegada de Lampião no Céu, Rodolfo Coelho Cavalcante

O cordel encontrou na figura de Lampião o seu herói mais decantado. Sua vida, sua morte, suas façanhas foram temas de vários poemas cordelísticos. Agora, não podendo ficar no inferno, onde quase destruiu o reino das sombras, o cordel conta a história de sua chegada ao céu. | Leia aqui

O menino do dinheiro em cordel, Reinaldo Domingos e José Santos

Quando o Menino do Dinheiro nasceu como personagem, saiu pelo mundo ensinando às crianças um jeito todo dele de realizar sonhos. Agora, crescido e dono do seu próprio nariz, foi parar no Nordeste, essa terra tão cheia de belezas e de gente criativa. Conduzido pela poesia de José Santos e pelos ensinamentos de Reinaldo Domingos, se embrenhou pelos cenários desenhados pela Luyse Costa. Em meio a mandacarus e violeiros, descobriu o universo do cordel e presenciou um desafio e tanto: o embate entre dois repentistas sabidos e cheios de palavras. | Leia aqui

Colcha de retalhos, Moreira de Acopiara

Colcha de Retalhos é um livro emocionante, cuja temática é desenvolvida de maneira sensível por meio da literatura de cordel. A qualidade da obra está em trazer esse tipo de literatura garantindo seus elementos característicos, como a efabulação, a sonoridade, o ritmo do texto e a utilização de expressões da região de origem. Além disso, os personagens, o espaço e as situações presentes na obra garantem uma viagem inesquecível à alma do Nordeste brasileiro. | Compre aqui

Heroínas Negras Brasileiras em 15 Cordéis, Jarid Arraes

Desde 2012, a autora Jarid Arraes tem se dedicado a desvendar a história das mulheres negras que fizeram a História do Brasil. E não bastava conhecer essas histórias, era preciso torná-las acessíveis e fazer com que suas vozes fossem ouvidas. Para isso, Jarid usou a linguagem poética tipicamente brasileira da literatura de cordel. E vendeu milhares de seus cordéis pelo Brasil, alertando para a importância da multiplicidade de vozes e oferecendo exemplos de diversidade para as mulheres atuais. Neste livro, reuni-se 15 dessas histórias, que ganharam uma nova versão da autora e a beleza das ilustrações de Gabriela Pires. | Compre aqui

Para quem estiver curioso sobre como funciona a leitura de um cordel, segue um vídeo abaixo que eu gosto muito para entender um pouco melhor. Também recomendo esta reportagem bem completinha feita pelo Globo Rural. Para quem quiser ler algumas obras disponibilizadas na internet de forma gratuita, conheça o acervo da Fundação Casa Rui Barbosa. 


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