A FICÇÃO CIENTÍFICA COMO VOCÊ NUNCA VIU: PRAZER, URSULA K. LE GUIN.

novembro 04, 2019


Existem autoras que realizam um trabalho fenomenal pelo gênero ficção científica, com histórias surpreendentes e que nos cativa do começo ao fim. Este é o caso de Ursula K. Le Guin, escritora, ficcionista, tradutora, poetisa, ensaísta e editora literária estadunidense que já escreveu mais de 100 livros por toda sua carreira. O mais incrível era a forma como abordava questões como filosofia, psicologia, etnografia, biologia, religião, antropologia, sexualidade e gênero dentro de seus narrativas e personagens. Em 2016 o The New York Times considerou Ursula como a "maior escritora viva de ficção científica dos Estados Unidos". 

Descendente de alemães e poloneses, Ursula nasceu em Berkeley que fica a 17 km de São Francisco, Califórnia. Filha de professores universitários e ativistas sociais, como a própria autora já disse em entrevista, foi criada para "pensar e questionar". Teve uma boa vida e soube aproveitar os privilégios que lhe foram dados. Era uma leitora ávida, o que expandiu sua mente em relação a forma como observava o mundo. "Quando pequena eu fui uma daquelas crianças que vivem com o nariz enfiado nos livros, nos cantos. Livros sempre foram muito importantes para mim. Há alguns livros que eu lia quando criança e eu continuo a reler. Um deles é Alice no País das Maravilhas’’. Porém, se descobriu na ficção ao se deparar com as revistas pulp, famosas nas décadas de 30 e 40. Durante o ensino médio frequentou a mesma classe que o escritor Philip K. Dick, mas nunca criou algum tipo de conexão com ele. Na verdade, a autora se refere a esta parte de sua trajetória como angustiante, pois era muito tímida. Por isso se refugiava na biblioteca de sua cidade.

Entrou para a faculdade após a Segunda Guerra Mundial. Cursou Literatura Italiana e Francesa Renascentista na  Radcliffe College, voltada para as mulheres. Depois se especializou e fez seu doutorado sobre a obra do poeta renascentista francês Jean Lemaire de Belges. Seu marido Charles Le Guin, foi seu grande amor e apoiador.

Carreira de sucesso

Tudo começou com a publicação de seu primeiro conto, titulado "An die Musik" na revista The Western Humanities Review na edição de junho de 1961. A partir dai as coisas só melhoraram. Em 1966, lançou seu primeiro romance intitulado Rocannon's World, uma obra de ficção científica pela editora Ace Books de Nova York. Logo em seguida, enquanto estava grávida de seu terceiro filho, desenvolveu os já mundialmente conhecidos Os Despossuídos e A mão esquerda da escuridão. Este último foi um sucesso de público e crítica, o que a fez entrar para hall das grandes autoras de ficção científica.

A obra também inspirou o movimento de contracultura, que vinha crescente nos EUA, e assim fez crescer ainda mais na carreira de Ursula, que conquistou diversos prêmios como o Nebula, da Science Fiction Writers of America, e o Hugo, os principais do gênero ficção científica. Ela inclusive deixou de ser professora de francês para conseguir ter renda integral como escritora. Porém, a autora passou por uma forte depressão durante um período e pouco se sabe sobre esta fase. Mas, ela acabou escrevendo sobre esta experiência e em uma entrevista a descreveu como "momentos de escuridão que eu tive de aprender a enfrentar".

A partir dos anos 80 começou a trabalhar em roteiros para a TV e o cinema. Nesta mesma época, começou a se aventurar pelo gênero de ficção realista, com um toque dos subgêneros realismo mágico e pós-modernismo. Em 2003, foi eleita a Grã-Mestre de Ficção Científica pela Science Fiction and Fantasy Writers of America (SFWA), sendo a primeira mulher a receber tal nomeação. Lançou seu último livro em 2008.

Sempre envolvida nas discussões sobre os novos modelos de leitura que a globalização trouxe ao mercado, Ursula criticou as plataformas do Google Books e da Amazon. Em uma carta publicada em protesto contra o primeiro, diz que "Há princípios envolvidos, acima de tudo, o conceito de direitos autorais, e estes vocês acharam por bem abandonar em favor a uma corporação, nos termos dela, sem lutar". Também era grande defensora do meio ambiente e de políticas públicas que pudessem provê-lo, e entre 2015 e 2016 criticou publicamente as ações da milícia armada autointitulada Right-Winged Loonybirds, que atuava invadindo reservas florestais no estado do Oregon e a ineficácia do FBI em contê-la. 

Apesar dos problemas de saúde, sempre esteve em contato com seus leitores e diversos projetos ligados ao universo literário. Trabalhou na realização de seu documentário, chamado "Worlds of Ursula K. Le Guin". Veio a falecer em 22 de janeiro de 2018, aos oitenta e oito anos.

Temas e inspirações 

Ursula sempre deixou claro sua honra em ter tido o apoio incondicional de seus pais. "No sentido de acreditarem que isso [talento e o desejo para escrever] é um dom tanto quanto uma obrigação: algo que é dado para você trabalhar por e trabalhar para. E esse é o trabalho mais gratificante de todos". O que fez grande diferença para alcançar o patamar que chegou.

Em seus livros, a autora sempre utilizou temas e aspectos ligados a ficção científica, e sempre colocou contexto social, politico, psicológico e filosófico da época em que vivia, como nos seus livros escritos entre as décadas de 60 e 70, que tiveram influencia dos movimentos new wave e feminista, do qual sempre foi adepta e militante. Também utiliza viagens pelo espaço sideral e raças alienígenas, como visto na obra A curva dos sonho. Outro ponto muito bacana é a abordagem nas questões de sexualidade e etnia, sempre escritos com muito respeito e autenticidade.

Outro ponto que vale a pena colocar é a influencia filosofia taoísta e de sua partilha pela anarquia. Para quem não conhece, o taoismo é de origem do Leste Asiático, e enfatiza a harmoniza com o Tao (em tradução, "Caminho"). É e resumo a frase: "O Tao do qual se pode discorrer não é o eterno Tao". Houve uma mistura de crenças e práticas, como dos conhecidos conceitos de yin-yang e o dos cinco elementos.

Alguns de seus trabalhos literários 

Como já dito, Ursula já produziu para diversos gêneros literários, mas é conhecida pela ficção científica. No Brasil, três de seus vários trabalhos foram lançados, sendo um grande sucesso literário. Segue eles:

A curva do sonho, editora Morro Branco: Em um mundo assolado por instabilidade climática e superpopulação, George Orr, um cidadão pacato e mundano, descobre que seus sonhos têm o poder de alterar a realidade. Quando acorda, o mundo que conhecia tornou-se um lugar estranho, quase irreconhecível, em que apenas ele tem a memória de como era antes. Sem rumo, ele busca a ajuda do Dr. William Haber, psiquiatra que logo deixa de lado o seu ceticismo e entende o poder que George possui, transformando-o em um peão de um perigoso jogo, em que o destino da humanidade fica mais ameaçado a cada instante. Tão relevante para o mundo atual quanto era ao ganhar o prêmio Locus (1972), esta história de Ursula Le Guin é um verdadeiro clássico, profético e ferozmente inteligente. 

Os despossuídores, editora Aleph: Escrito em 1974 pela brilhante e premiada Ursula K. Le Guin, Os Despossuídos é uma ficção científica incomum, utópica e distópica, sobre dois planetas gêmeos separados por conflitos e desconfianças, e um homem que arriscará tudo para reuni-los. Urras é um mundo de abundantes recursos dividido em vários estados-nação. Em meio a extremos de riqueza e pobreza, dois deles estão em guerra para estender sua influência – e seu sistema político – sobre os demais. Anarres, por sua vez, é o planeta recluso e anarquista gêmeo de Urras, cuja visão utópica de seus colonizadores acabou criando uma ilusão de sociedade perfeita. Essa ilusão só é quebrada quando Shevek, um jovem físico brilhante de Anarres, descobre a Teoria da Simultaneidade, uma ideia que pode acabar com o isolamento de seu planeta e, ao mesmo tempo, avivar as guerras do planeta vizinho. Seguindo o estilo de Le Guin, este livro aborda questões de fundo sociológico, como liberdade, desigualdade, individual versus coletivo, e temas políticos cruciais, como anarquismo e polarizações políticas. Embora seja fruto da influência da Guerra Fria, este livro continua cativante e extremamente atual. Situado no mesmo universo ficcional de A mão esquerda da escuridão, outro clássico da autora, Os Despossuídos recebeu o prêmio Nebula em 1974 e os prêmios Hugo e Locus em 1975. 

A mão esquerda da escuridão, editora Aleph: Escrito há 50 anos, A mão esquerda da escuridão é um marco na literatura de fantasia e ficção científica, vencedor do Hugo e do Nebula, mantendo-se até hoje como uma voz precursora e potente nas discussões da humanidade. Enviado em uma missão intergaláctica, Genly Ai, um humano, tem como missão persuadir os governantes do planeta Gethen a se unirem a uma comunidade universal. Entretanto, Genly, mesmo depois de anos de estudo, percebe-se despreparado para a situação que lhe aguardava. Ao entrar em contato com uma cultura complexa, rica, quase medieval e com outra abordagem na relação entre os gêneros, Genly perde o controle da situação. É humano demais, e, se não conseguir repensar suas concepções de feminino e masculino, correrá o risco de destruir tanto a missão quanto a si mesmo. Em capa dura, com pintura inédita de Marcela Cantuária e prefácio de Neil Gaiman, esta edição celebra o aniversário desta obra magistral. A mão esquerda da escuridão propõe ricas discussões sobre assuntos polêmicos e atemporais - gênero, feminismo, alteridade, filosofia e antropologia -, sendo considerado pela crítica especializada não só um dos mais importantes livros de ficção científica já escritos como também uma verdadeira obra-prima da literatura moderna.

Uma autora fantástica da qual você precisa conhecer. Após ler seus livros, você consegue enxergar o mundo de uma outra forma, e se depara com reflexões para o futuro da humanidade e até em relação a si mesmo enquanto ser humano e habitante deste planeta imenso.

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