O OLHAR ESPECIAL E A ESCRITA PODEROSA DE SVETLANA ALEKSIÉVITCH.
setembro 04, 2020Na faculdade de jornalismo conhecemos vários nomes importantes de profissionais que produziram seus livros sobre coberturas de diversos assuntos, como no caso da jornalista brasileira Daniela Arbex, responsável pelos premiados Holocausto Brasileiro e Todo dia a mesma noite. No caso de Aleksiévitch, foi por conta própria: a capa de "A Guerra Não Tem Rosto De Mulher" me chamou atenção no estande da Companhia das Letras durante uma feira de livros. Após a leitura da sinopse, senti que precisava descobrir mais informações da autora. Tendo lido três de seu considerável repertório, ainda fico abismada com a maneira como capta os detalhes, com um olhar humanizado e sagaz, tornando seus livros obras essenciais e poderosas para os dias atuais.
Nascida na cidade de Ivano-Frankivsk, na Ucrânia, em 31 de maio de 1948, cresceu na cidade Belarus, que enfrenta manifestações contra seu atual presidente, Alexander Lukashenko, acusado de fraudar eleições para se manter no poder. Se formou em jornalismo pela Universidade de Minsk entre 1967 e 1972, onde ganhou prêmios em competições sindicais e trabalhos acadêmicos. Trabalhou em alguns jornais locais como repórter. Em 1985, quando trabalhava para um jornal de fazendas coletivas soviéticas, chamado Sel’skaja Gazeta, reuniu entrevistas com centenas de mulheres que participaram da Segunda Guerra Mundial e publicou seu primeiro livro chamado War's unwomanly face (A guerra não tem rosto de mulher em pt-br), no qual foi acusada de "romper a imagem heroica da mulher soviética".
Por conta deste trabalho e de sua clara oposição política ao governo de seu país, precisou viver em outros locais, viajando por países como Itália, França, Alemanha e Suécia. Retornou para Minsk, cidade da juventude, em 2011. Todo seu repertório é baseado na vida antes e após a URSS por meio da experiências das pessoas que ouve, como a própria autora descreve em seu trabalho: "Se você olhar em toda a nossa história, tanto soviética quanto pós-soviética, ela é uma enorme vala comum e um banho de sangue. Um eterno diálogo entre executores e vítimas. As malditas perguntas russas: o que deve ser feito e quem é o culpado. A revolução, os gulags, a Segunda Guerra Mundial, a Guerra do Afeganistão escondida do povo, a queda do grande império, a queda da terra socialista gigante, a utopia terrestre e agora um desafio de dimensões cósmicas - Chernobyl. Este é um desafio para todas as coisas vivas na terra. Essa é a nossa história. E este é o tema de meus livros, este é o meu caminho, meus círculos do inferno, de homem para homem."
Seus textos são vistos como uma excelente mistura de jornalismo com literatura, em especial pela forma como reconta eventos de impacto mundial, como o conflito no Afeganistão com a União Soviética e o acidente na usina nuclear de Chernobyl. Os detalhes e os personagens que entrevista, são de suma importância para o sucesso de suas obras, que levam entre sete e dez ano para serem escritos. Não são apenas documentos para serem lembrados, ao levar em conta o contexto sociocultural e histórico, mas narrativas que reconstituem momentos vivenciados por diversas pessoas. "(...) o que se passava pela cabeça das pessoas após a batalha de Stalingrado ou após a explosão de Chernobil? Eu não escrevo a história dos fatos, mas a história das almas".
O sucesso de seus livros é de reconhecimento mundial, pois já foram traduzidos para mais de 20 países, além de adaptados para documentários e peças teatrais. Já recebeu inúmeros prêmios como Erich Maria Remarque Peace Prize e o National Book Critics Circle Award. Em 2015, Aleksiévitch foi condecorada com o Nobel da Literatura pelo conjunto da obra, sendo a 14º mulher a receber o prêmio. Enquanto uma mulher de opinião forte e com um olhar aguçado para a sociedade na qual está inserida, suas obras causam uma reação mista: enquanto parte a aclama, outra a censura em nome de ideais políticos. Porém, é fato constatado que o talento de Svetlana é uma dádiva para todos nós.
MATÉRIAS ESPECIAIS SOBRE A AUTORA:
LIVROS DE SVETLANA ALEKSIÉVITCH PUBLICADOS NO BRASIL:
Editora: Companhia das Letras
Entre 1979 e 1989, as tropas soviéticas se envolveram em uma guerra devastadora no Afeganistão, que causou milhares de baixas em ambos os lados. Enquanto a URSS falava de uma missão de “manutenção da paz”, levas e levas de mortos eram enviadas de volta para casa em caixões de zinco lacrados. Este livro apresenta os testemunhos honestos de soldados, médicos, enfermeiras, mães, esposas e irmãos que descrevem os efeitos duradouros da guerra. Ao tecer suas histórias, Svetlana Aleksiévitch nos mostra a verdade sobre o conflito soviético-afegão: a destruição e a beleza de pequenos momentos cotidianos, a vergonha dos veteranos que retornaram, as preocupações com todos que ficaram para trás. Publicado pela primeira vez em 1991, Meninos de zinco provocou enorme controvérsia por seu olhar perspicaz e angustiante sobre as realidades da guerra.
Editora: Companhia das Letras
Neste livro doloroso e potente, a Nobel de literatura Svetlana Aleksiévitch reuniu os relatos francos de vários sobreviventes da Segunda Guerra que, quando crianças, testemunharam horrores que nenhum ser humano jamais deveria experimentar. A Segunda Guerra Mundial matou quase 13 milhões de crianças e, em 1945, apenas na Bielorrússia, havia cerca de 27 mil delas em orfanatos, resultado da devastação tremenda causada pelo conflito no país. Entre 1978 e 2004, a jornalista Svetlana Aleksiévitch entrevistou uma centena desses sobreviventes e, a partir de seus testemunhos, criou uma narrativa estupenda e brutal de uma das maiores tragédias da história. A leitura dessas memórias não é nada além de devastadora. Diante da experiência dessas crianças se revela uma dimensão pavorosa do que é viver num tempo de terror constante, cercado de morte, fome, desamparo, frio e todo tipo de sofrimento. E o que resta da infância em uma realidade em que nada é poupado aos pequenos? Neste retrato pessoal e inédito sobre essas jovens testemunhas, a autora realizou uma obra-prima literária a partir das próprias vozes de seus protagonistas, que emprestaram suas palavras para construir uma história oral da Segunda Guerra.
Editora: Companhia das Letras
A história das guerras costuma ser contada sob o ponto de vista masculino: soldados e generais, algozes e libertadores. Trata-se, porém, de um equívoco e de uma injustiça. Se em muitos conflitos as mulheres ficaram na retaguarda, em outros estiveram na linha de frente. É esse capítulo de bravura feminina que Svetlana Aleksiévitch reconstrói neste livro absolutamente apaixonante e forte. Quase um milhão de mulheres lutaram no Exército Vermelho durante a Segunda Guerra Mundial, mas a sua história nunca foi contada. Svetlana Aleksiévitch deixa que as vozes dessas mulheres ressoem de forma angustiante e arrebatadora, em memórias que evocam frio, fome, violência sexual e a sombra onipresente da morte.
O Fim do Homem Soviético
Editora: Companhia das Letras
O povo russo assistiu com espanto à queda do Império Soviético. A política de abertura do governo Gorbatchóv impôs uma mudança drástica da estrutura social, do cotidiano e, sobretudo, da direção ideológica da população. Em O fim do homem soviético, Svetlana Aleksiévitch examina a vida das pessoas afetadas por essa transformação. Em cada personagem está um pouco da história russa - a mãe cuja filha morreu em um atentado; a antiga funcionária do Partido Comunista que coleciona carteiras abandonadas de ex-filiados; o velho militante que passou dez anos em um campo de trabalhos forçados. O livro traz um painel fantástico de russos de todas as idades que se movem entre a possibilidade de uma vida diferente e a derrocada da sociedade que conhecem.
Vozes de Tchernóbil
Editora: Companhia das Letras
Em 26 de abril de 1986, uma explosão seguida de incêndio na usina nuclear de Tchernóbil, na Ucrânia - então parte da finada União Soviética -, provocou uma catástrofe sem precedentes em toda a era nuclear: uma quantidade imensa de partículas radioativas foi lançada na atmosfera da URSS e em boa parte da Europa. Em poucos dias, a cidade de Prípiat, fundada em 1970, teve que ser evacuada. Pessoas, animais e plantas, expostos à radiação liberada pelo vazamento da usina, padeceram imediatamente ou nas semanas seguintes. Tão grave quanto o acontecimento foi a postura dos governantes e gestores soviéticos (que nem desconfiavam estar às vésperas da queda do regime, ocorrida poucos anos depois). Esquivavam-se da verdade e expunham trabalhadores, cientistas e soldados à morte durante os serviços de reparo na usina. Pessoas comuns, que mantinham a fé no grande império comunista, recebiam poucas informações, numa luta inglória, em que pás eram usadas para combater o átomo. A morte chegava em poucos dias. Com sorte, podia-se ser sepultado como um patriota em jazigos lacrados. É por meio das múltiplas vozes - de viúvas, trabalhadores afetados, cientistas ainda debilitados pela experiência, soldados, gente do povo - que Svetlana Aleksiévitch constrói esse livro arrebatador, a um só tempo, relato e testemunho de uma tragédia quase indizível. Cenas terríveis, acontecimentos dramáticos, episódios patéticos, tudo na história de Tchernóbil aparece com a força das melhores reportagens jornalísticas e a potência dos maiores romances literários. Eis uma obra-prima do nosso tempo.
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