[RESENHA] A VEGETARIANA, HAN KANG.
agosto 24, 2020Quando comecei este livro não sabia ao certo o que esperar porque optei por não ler a sinopse. Na época, tinha acabado de assistir ao filme Parasita e vinha da experiência de ler Sobre os ossos dos mortos de Olga Tokarczuk (ver resenha aqui), duas obras de diferentes setores artísticos que me tiraram da zona de conforto e me trouxeram experiência novas. Ainda sinto que a leitura de A vegetariana é um quebra-cabeça que monto atualmente. Uma leitura que me fez criar inúmeras teorias e tornou minha mente um caos.
SINOPSE: “…Eu tive um sonho”, diz Yeonghye, e desse sonho de sangue e escuros bosques nasce uma recusa vista como radical: deixar de comer, cozinhar e servir carne. É o primeiro estágio de um desapego em três atos, um caminho muito particular de transcendência destrutiva que parece infectar todos aqueles que estão próximos da protagonista. A vegetariana conta a história dessa mulher comum que, pela simples decisão de não comer mais carne, transforma uma vida aparentemente sem maiores atrativos em um pesadelo perturbador e transgressivo. Narrado a três vozes, o romance apresenta o distanciamento progressivo da condição humana de uma mulher que decidiu deixar de ser aquilo que marido e família a pressionaram a ser a vida inteira. Este romance de Han Kang tem sido apontado como um dos livros mais importantes da ficção contemporânea. Uma história sobre rebelião, tabu, violência e erotismo escrita com a clareza atordoante das melhores e mais aterradoras fábulas. Esta tradução, diretamente do coreano, restitui o estranhamento da obra original.
Escrito pela sul-coreana Han Kang há 13 anos, chegou ao Brasil em 2018 pela editora Todavia, com tradução de Jae Hyung Woo, que também traduziu o título O bom filho, do conterrâneo de Kang, You-jeong Jeong (da mesma editora). Falando em tradutor, até rolou uma confusão (interessante de ler e discutir) envolvendo o texto original e o que foi comercializado em inglês, como você pode conferir nesta postagem. A obra aclamada por todo o mundo, venceu o Man Booker International 2016, um dos prêmios literários mais importantes, se tornando a primeira sul-coreana a receber tal nomeação, o que levou a autora a um patamar de reconhecimento renomado.
Em várias entrevistas de Kang, percebe-se dois conceitos fundamentais para entender sobre o real significado dos seus livros: violência e dignidade humana. Em A Vegetariana, temos três pontos de vista que estão entrelaçados com apenas um personagem como foco, Yeonghie, uma jovem recém-casada que começa a ter sonhos que ditam sua nova realidade: não comer mais carne. Isto a modifica de tal forma que impacta a vida das pessoas ao seu redor. Os narradores que apresentam tais modificações da nova vegetariana são seu marido, um homem tomado de ambição e que demonstra ter uma índole medíocre; seu cunhado, um artistas frustrado que está obcecado por ela e sua irmã, uma mulher que parece ter sua voz silenciada e uma das únicas pessoas que nutre um sentimento de amor por Yeonghie. Cada um destes personagens são importantes para entender as metáforas e o que a história pretende nos apresentar.
Algo que deve ficar claro é o tipo de gênero que o livro se enquadra: romance-novela, muito popular no Japão. Muitas pessoas ficaram perdidas (como eu) quando Kang disse que escreveu uma trilogia. No caso, são três novelas juntas no mesmo volume (no caso, os pontos de vista) que podem ser lidos na ordem ou separadamente. Cada voz escrita por Kang nos mostra um momento da vida de Yeonghie e o quão forte foi o impacto de sua atitude e decisão para sua família, amigos e conhecidos, o que de certa forma traz uma critica reflexiva da sociedade sul-coreana.
Foi uma leitura estranha, isto eu preciso confessar. Era algo diferente de tudo que já tinha lido, um sentimento parecido que vivenciei ao terminar títulos como A Metamorfose e Ensaio sobre a Cegueira, que nos apresentam autores e estilos únicos de escrita. Adorei o jeito seco e também lúdico que Kang compôs sua história, conseguindo tratar a natureza humana e suas diferentes formas de ação quando postas frente a frente com situações frustrantes, exaustivas e até intragáveis. Ao tocar neste ponto, preciso dizer que o livro contém cenas de estupro e violência. Não contém descrições tão gráficas, mas imagino que possam causar desconforto.
Até hoje não consigo expressar em palavras exatas a minha experiência com A vegetariana. Acho que talvez eu deva digeri-la por mais algum tempo. Apesar de não ter contado muito sobre ela (peço desculpas), achei importante trazer meu relato sobre este livro, pois sei que posso cair no clichê "você nem falou direito de nada e recomenda". Sou do time que torce pelas obras onde o leitor precisa ir com a cara e a coragem e creio que esta obra seja sua oportunidade de testar esta teoria. Uma leitura pra você fazer no escuro e ser surpreendido (ou não). Uma obra que vai te deixar um pouco perturbado da cuca, mas que também trará reflexões que ficarão contigo.
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SOBRE A AUTORA: Nascida na Coreia do Sul em 1970, Han Kang tem diversos livros publicados. Tornou-se universalmente conhecida com A vegetariana, tendo sido traduzida para vários idiomas e recebido diversos prêmios.
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